segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Especial Oscar: Crítica - A Caça



    Thomas Vinterberg, diretor de "A Caça", foi o criador do movimento Dogma 95, junto de Lars Von Trier. Para quem não sabe, ele é constituído por dez regras cinematográficas que tinham como objetivo resgatar a essência do cinema, colocando restrições quanto ao uso de tecnologias nos filmes. Por exemplo, impõe-se o uso da câmera na mão, a não-utilização de iluminação artificial e a proibição de ações "superficiais" na história, ou seja, tudo que ali ocorrer deve ser totalmente real - ou seja, se quiser uma ação x aconteça, ela tem que ocorrer fisicamente (sem montagens) -.

    É interessante notar como tanto Von Trier quanto Vinterberg já se afastaram um pouco das diretrizes do Dogma 95. Ambos fizeram apenas um filme cada que se encaixasse totalmente nele: "Os Idiotas" e "Festa de Família", respectivamente. No seguimento de suas carreiras, apesar de manter o estilo narrativo focado em personagens, suas técnicas cinematográficas foram sendo ampliadas. Notamos, hoje, com os lançamentos "Ninfomaníaca" e "A Caça" que câmera exclusivamente na mão e luz somente natural são coisas deixadas de lado.

    Mas, curiosidades de lado, vamos falar sobre "A Caça", porque é para isso este texto. O longa dinamarquês parece ter sido o retorno à glória de Vinterberg, já que desde "Festa de Família" ele não obteve tanto reconhecimento de público e crítica. E, sim, o reconhecimento é merecido. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e também ao Globo de Ouro, o filme conta a história de Lucas (Mads Mikkelsen, de "007: Cassino Royale"), um professor de jardim de infância, que tem sua vida transformada em um inferno quando toda a cidade se volta contra ele devido a uma acusação infundada.

    Klara (Annika Wedderkopp), uma de suas alunas e filha de seu melhor amigo, acaba por construir um afeto "excessivo" em relação a Lucas e, quando este a rejeita, a menina fica profundamente triste. A fraqueza emocional de uma criança tão pequena, então, faz a diferença e a garota - repetindo algo que ouvira do seu irmão - diz à diretora do colégio que Lucas mostrou a ela seu órgão genital. É o início da via crucis do professor. De um homem cheio de amigos, que obteve a guarda do filho e reencontrava o amor em uma de suas colegas de trabalho; a acusado injustamente de um crime que não cometeu, linchado socialmente e afastado do filho.

    O espectador onisciente, que sabe toda a verdade, vira cúmplice do sofrimento deste homem e dos males do pré-julgamento. O roteiro, assinado por Vinterberg ao lado de Tobias Lindholm, é eficiente em mostrar a crescente tensão presente na história - muito apoiado também, é claro, no trabalho de direção do dinamarquês. Desde os primeiros momentos, quando a acusação vai tomando forma e as pessoas começam a virar as costas para Lucas; até o momento de quase total esgotamento mental e abandono social em que o professor é colocado - apenas seu filho e um amigo se mantém ao seu lado -. É chocante e deixa o espectador absolutamente angustiado.

    Além disso, muita da força de "A Caça" reside nas atuações de seu elenco. Annika Wedderkopp, intérprete de Klara, é extremamente competente, numa personagem difícil. Mas o grande destaque é Mads Mikkelsen. Numa interpretação extremamente contida, Mikkelsen impulsiona seu personagem, ampliando cada momento de dor e sofrimento, numa interpretação feita nos mínimos detalhes e que explode em uma das cenas finais - numa igreja -. É a melhor cena do filme e muito por causa do trabalho do ator.

    Na parte técnica, há de se mencionar a brilhante fotografia de Charlotte Bruus Christensen, que caminha junto à história do filme, e vai reduzindo as cores quentes e a "alegria" conforme a evolução da situação de Lucas. Também se destaca a montagem, que torna o filme ágil, porém contemplativo, na medida certa - nenhuma cena é longa ou curta demais -.

    Finalmente, dois comentários sobre o final do filme (se não o viu, não leia este parágrafo): muitos reclamaram sobre Lucas e o povo da cidade voltarem a conviver em harmonia e nisto não vi problema nenhum, posto que ele era inocente, oras; outros reclamaram do final dúbio (ou não), em que o professor supostamente quase é atingido por uma bala. Para mim, se trata de um justo lembrete de Vinterberg: mesmo declarado inocente, aquela acusação caminharia com Lucas pelo resto de sua vida, assim como a desconfiança.

Nota 8/10

Nenhum comentário:

Postar um comentário