sábado, 15 de fevereiro de 2014

Especial Oscar: Crítica - Trapaça


    "Trapaça" é a sequência do diretor David O. Russell na sua caminhada em busca do tão sonhado Oscar. E para isso, claro, investe em filmes redondinhos, sob medida e que tomam a menor quantidade possível de riscos. É interessante notar a evolução (na verdade, estamos mais para involução mesmo) dos longas do diretor durante esta década de 2010. Se "O Vencedor" era um drama poderoso, também centrado principalmente em suas poderosas atuações - o que é marca registrada de O. Russell, que, de fato, é um ótimo diretor de atores -; "O Lado Bom da Vida" e "Trapaça" são apenas filmes lights e sem graça, que tentam dar ênfase nos seus personagens e se perdem em meio a roteiros verborrágicos.

    Desta vez, o diretor traz à tela uma versão aguada e pretensamente engraçadinha de "Os Bons Companheiros", de Martin Scorsese. A inspiração, proximidade, homenagem (chamem do que quiserem) ao diretor de "O Lobo de Wall Street" fica ainda mais evidente pelo uso intensivo da câmera inquieta e movimentada. Mas O. Russell não é Scorsese e lá pelas tantas de suas 2h10 de duração, a sensação de que aquilo era um trabalho apenas genérico fica latente.

    A trama cheia de reviravoltas (a maioria bem ineficaz) envolve dois golpistas, Irving Rosenfeld (Christian Bale, de "O Vencedor") e Sidney Prosser (Amy Adams, de "O Mestre"), que são forçados a trabalhar em conjunto com o agente do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper, de "Se Beber, Não Case!") e se infiltrar no mundo da máfia e da política. Eles fazem isso por intermédio do político Carmine Polito (Jeremy Renner, de "Guerra ao Terror"), que nada sabe sobre a operação. Entretanto a esposa de Irving, Rosalyn (Jennifer Lawrence, de "Inverno da Alma") aparece e muda as regras do jogo.

    O roteiro de "Trapaça" é um de seus principais problemas. Apostando em diálogos pretensamente espertos, o filme se torna apenas um falatório sem fim e dos mais cansativos. Não suficiente isso, ainda possui uma narração em off que em metade do tempo só serve para dizer aquilo que O. Russell não foi capaz de deixar claro para o espectador por meio de imagens: já que não consegue mostrar, discursa sobre e deixa a história mastigadinha para todo mundo. Um artifício pobre e mais uma vez emulado de filmes de Scorsese, porém nestes, a narração é um algo a mais à trama, não uma muleta.

    Mas "Trapaça" não é só desgraça também. Sua parte técnica é belíssima, principalmente em sua direção de arte e figurinos, competentes na transição para uma década de 70 intencionalmente exagerada e colorida. A trilha sonora também ajuda muito nesta volta ao passado através de suas interessantes escolhas de músicas. Além disso, a montagem do longa é um de seus pontos fortes, ao tornar a trama mais ágil e desafogar um pouco da verborragia e "blá-blá-blá" criados por O. Russell.

    Ancoradas neste tom exagerado escolhido pelo diretor, as atuações (tão celebradas) estão irregulares. Bale faz uma versão caricata de Robert De Niro (que faz uma ponta no longa) nos tempos áureos de suas parcerias com Scorsese (ele de novo!) e está tão exagerado quanto seu barrigão com 20 quilos a mais e sua peruca mal feita. Cooper não é bom ator e cumpre exatamente as expectativas que podemos criar sobre ele: nenhuma. Renner praticamente passa pela tela sem ser lembrado, mas não compromete, pois pelo menos escolheu uma composição mais sutil.

    Já as atuações femininas são as verdadeiras forças motoras da película. Amy Adams está magistral e é uma das melhores atrizes da atualidade. Sua personagem é a mais completa e profunda do longa e, portanto, a mais interessante. Não fosse Cate Blanchett, seria minha favorita para o Oscar de Melhor Atriz. Já Jennifer Lawrence faz um trabalho muito melhor que em "O Lado Bom da Vida", numa composição mais densa e competente. A cena entre ambas em um banheiro é a melhor do filme.

    Todavia, claro, O. Russell sabota até o que é bom em seu filme e em seus últimos momentos destrói qualquer pretensão de Lawrence em se manter longe da caricatura ao construir uma cena absolutamente desnecessária, exagerada e caricatural em que a personagem da atriz aparece cantando "Live And Let Die". O diretor quebra a quarta parede e a sensação que fica é de pura vergonha alheia.

    A torcida que fica é para que os deuses do cinema não permitam que O. Russell leve o Oscar, que com certeza tem filmes mais merecedores em recebê-lo. Não que qualquer premiação mude a qualidade de algum trabalho, mas dói ver qualquer forma de reconhecimento indo para algo que não o merece. Essa coisa convencional e wannabe cool que o diretor se tornou é apenas chata e sem graça.

Nota: 6/10

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Especial Oscar: Crítica - Os Croods


    Com o gênero infantil americano numa evidente entressafra - ao que eu dei muita ênfase na crítica para "Meu Malvado Favorito 2" -, é até de se comemorar o lançamento de algo absolutamente mediano como "Os Croods". Com evidentes inovações visuais e problemas estruturais, o longa não chega a ser dos melhores da DreamWorks, mas também não é uma catástrofe.

    O longa se enquadra perfeitamente nos padrões de seu estúdio: personagens forçados a sair de seu cotidiano e que são obrigados a se adaptar a uma nova realidade. Aqui, os Croods, uma família acostumada a uma rígida rotina de sobrevivência durante a era pré-histórica, são forçados a explorar o mundo quando o seu antigo lar acaba por ser destruído.

    Grug é o pai superprotetor; Ugga, a mãe simpática; Thunk, o irmão idiota; Sandy, a bebê louca; e ainda temos a vovó (para render aquelas piadas supimpas de sogra). Essa é a família de Eep, uma jovem curiosa por descobrir o mundo, mas presa aos hábitos familiares. Tudo muda quando ela conhece Guy e as transformações naturais do planeta forçam os Croods a buscar um novo lar.

    O humor do filme se baseia no estranhamento da antiquada família quanto a itens "modernos" como sapatos e fogo, no que o longa alcança razoável sucesso. Além disso, a inexistência de propriamente um vilão - digamos que a vilã aqui seja a própria natureza -, não deixa de ser uma saída do eixo comum das animações. Outrossim, importante citar a beleza visual da película, com passagens deslumbrantes, usando de uma liberdade criativa e poética na criação de vegetações e animais do período pré-histórico.

    Se possui estes acertos, "Os Croods" peca pelo roteiro formulaico nos conflitos familiares e pelas lições de moral nada sutis e típicas da DreamWorks. Também é notável o problema que o filme possui em sua trilha sonora exageradamente pesada e na unidimensionalidade de membros da família - gente, aquela avó?! -. Um trabalho mais profundo no roteiro com certeza teria trazido melhores frutos à animação.

    Numa tentativa de equilíbrio entre visual fantástico, roteiro esquemático, humor eficiente e história batida; "Os Croods" é um programa razoavelmente agradável, praticamente inofensivo e útil para uma noite entediada. Como cinema, é apenas medíocre e somente digno de nota pela sua técnica.

Nota 5/10

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Especial Oscar: Crítica - Ernest & Célestine


    Em meio a esse período turbulento de entressafra nas animações americanas, é um grande alívio encontrar uma animação francesa tão simples, mas ao mesmo tempo apaixonante. É um típico buddy movie, mas feito com tanta qualidade e atenção aos detalhes que não tem como não achá-lo uma obra maravilhosa.

    O enredo é sobre a estranha amizade entre uma jovem ratinha, Célestine, e um urso, Ernest. Célestine vive no subsolo, junto dos outros ratos, em uma espécie de orfanato e sonha em ser desenhista. Já Ernest é um urso pobre, que vive isolado numa floresta e busca seu sustento como músico de rua - o que não é bem visto na tradicional sociedade dos ursos -.

    Os caminhos de ambos se cruzam quando Célestine fica presa em uma lata de lixo durante um de seus passeios noturnos pela cidade dos ursos e é Ernest quem a encontra. Nasce ali uma amizade impossível: para os ursos, os ratos eram criaturinhas nojentas que deveriam habitar o subsolo e manter-se longe; para os ratos, os ursos eram bichos perigosos e truculentos que não hesitariam em comê-los vivos.

   Pode-se ver que a história é simples e batida, mas sua construção é tão bela e bem feita que nem dá para ligar para isso. A amizade entre ambos é construída aos poucos, sem sobressaltos. Além disso, a animação é tão maravilhosa - toda feita em aquarelas - que não tem como não se apaixonar. Um desenho colorido e em alguns momentos até lírico - como nos momentos em que ambos tem pesadelos -.

    Ademais, por trás de tudo, a trama também guarda uma interessante crítica social, pois mesmo quando Ernest e Célestine começam a morar juntos, a ratinha também vive na "parte inferior", ou seja, no porão. Com o passar do tempo, e o crescimento do afeto entre os dois, essa barreira de superioridade e preconceito se quebra. Numa lição de moral bacana para crianças e nada forçada pelo roteiro - na verdade, ela nem é tão óbvia assim -.

    Por fim, "Ernest e Célestine" é uma animação bem simples e de baixas pretensões, mas surpreendentemente bela e tocante. Sua simplicidade fica escancarada em seu final, que cai no lugar-comum e se torna até bobo. Mas é um conto tão bonitinho e com cenas tão maravilhosas, a partir de suas aquarelas deslumbrantes, que certamente tem lugar entre as melhores animações do ano.

Nota 8/10

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Especial Oscar: Crítica - A Grande Beleza


    "A Grande Beleza" é um filme contemplativo. Não muito fácil de se assistir também, é verdade. Pela própria intenção de Paolo Sorrentino com sua obra, não poderia ser um filme de estrutura narrativa comum, posto que não possui uma linha única em sua história. Se trata de um filme de situações, em que o todo não forma uma sequência narrativa totalmente amarrada em si, mas sim um mosaico de fatos, reflexões e simbolismos.

    Sorrentino busca, através dos olhos de um já sexagenário escritor, construir um retrato da sociedade italiana contemporânea. Reservados os devidos momentos políticos e sociais distintos, se aproxima muito do cinema de Federico Fellini - o que sempre é lembrado e relembrado nos textos por aí sobre o filme -. Logo em seus primeiros momentos o longa já deixa claro que os tempos são outros, quando durante a festa de aniversário de 65 anos de Jep Gambardella (Toni Servillo, de "As Consequências do Amor"), o protagonista, vemos uma alta sociedade envelhecida e deslocada.

    Construída com eficácia pelo roteiro do próprio Sorrentino acompanhado de Umberto Contarello, essa viagem analítica em meio às disfunções e futilidades que permeiam a sociedade italiana se mostra extremamente competente em cumprir seu objetivo de contemplação, adoração e julgamento - tudo ao mesmo tempo -. É um misto de passeio turístico com crítica social e viagem pela arte romana, espalhado pelas 2h20 de duração do longa (que poderia, sim, ser menor sem perder força - Sorrentino pecou pelo excesso -).

    Além disso, o filme se destaca também por sua parte técnica. A direção do italiano é competente e - apoiada na belíssima fotografia -, traz um excelente trabalho de câmera, que amplia os horizontes do filme e o engradece ainda mais. Os créditos finais, acompanhados de um tour turístico pela capital italiana demonstram bem as belas imagens que "A Grande Beleza" (hum...) nos proporciona.

    Após toda a jornada e passadas quase duas horas de sua duração, o longa chega a outro de seus problemas: os sucessivos "finais-que-não-são-finais-só-parecem-ser-finais". São diversas cenas que perfeitamente serviriam como fechamento de tudo aquilo, mas Sorrentino parecia querer mais. Claro, há muita a coisa a se dizer num filme deste tipo, que não se prende a uma estrutura simples e se horizontaliza. Entretanto o espectador, já até um pouco cansado e atordoado - não é um filme fácil, eu disse -, não está mais tão arrebatado pela jornada.

    Em uma visão geral, "A Grande Beleza" é um grande filme, extremamente bem executado e que cumpre suas enormes pretensões com particular maestria e elegância. Os deslizes, causados pelo excesso, seja na duração, seja pela demora para o seu desfecho; se mostram bem menores quando comparados à realização de Paolo Sorrentino.

Nota 8/10


domingo, 9 de fevereiro de 2014

Especial Oscar: Crítica - O Grande Gatsby


    Não haveria como esperar outra coisa da adaptação cinematográfica de Baz Luhrmann para "O Grande Gatsby" que não exagero imagético. Um diretor que possui "Moulin Rouge - Amor em Vermelho" no currículo não poderia fugir disso, já que está na sua concepção de cinema. A questão seria a dosagem de histrionismo, principalmente pelo fato de o texto original de F. Scott Fitzgerald guardar uma pesada crítica social. E, de fato, Luhrmann quase engole a história toda.

    O enredo é conduzido sob o ponto de vista de Nick Carraway (Tobey Maguire, de "Homem-Aranha"), que é fascinado por seu misterioso vizinho e novo amigo, Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio, "A Origem"). Gatsby é famoso pelas festas que dá em sua enorme mansão, porém sua única intenção com isso é chamar a atenção de seu amor do passado, Daisy Buchanan (Carey Mulligan, "Shame"). Ela agora é casada com o ricaço e arrogante Tom Buchanan (Joel Edgerton, "Guerreiro") e cabe a Nick aproximar Gatsby dela novamente.

    Todo o primeiro ato é purpurina pura. Mas não é como se Luhrmann já não nos avisasse disso já nos créditos iniciais, né... Sequências musicais coloridas e exageradas, embaladas pela trilha sonora repleta de músicas atuais (a qual não funciona tão organicamente como ocorreu em "Moulin Rouge"). Elas engolem a história de todo o primeiro ato. Acompanhamos tudo sem qualquer imersão, somos meros observadores dos fogos de artifício de Luhrmann. É uma primeira parte bem cansativa, para dizer o mínimo. Principalmente para os olhos. Decididamente o australiano perdeu a mão ali.

    A trama e a crítica social séria de "Gatsby" não aceitam tanto o histrionismo dele da forma como "Moulin Rouge" obviamente aceitava. Pelo menos todo o exagero mostrou o poder da direção de arte, da fotografia e figurino do filme - belíssimos -. Entretanto, as atuações acabam ficando escondidas perante tanto brilho: Mulligan está insossa, Maguire com a cara de sempre e Isla Fisher, a amante de Tom, exagerada como seu diretor. DiCaprio é, de fato, o único a trazer alguma profundidade - ainda que também esbarre em maneirismos -.

    Já na segunda parte, tudo melhora. Luhrmann põe o pé no freio e deixa a força do livro falar por si. O foco muda da técnica para o texto e seus personagens e, enfim, a história começa a andar. Saímos da montagem atropelada do começo, para um ritmo bem mais respirável para o espectador. Apesar disso, já era um pouco tarde. O interesse já não era o mesmo, a paciência também não. Luhrmann, na verdade, fez o serviço de estragar algo que poderia ter sido ótimo e feito jus ao clássico literário que "O Grande Gatsby" é.

    O que fica, realmente, é a parte técnica maravilhosa - o que já era esperado - e um segundo ato que funciona e recupera o fôlego do filme. Luhrmann agora pelo menos tem um sucesso comercial passado no currículo para conseguir financiar sua próxima ousadia e, quem sabe, chegar a alguma obra de bom nível. Em "O Grande Gatsby", ele com certeza não o fez.

Nota 6/10