segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Crítica - Ninfomaníaca: Volume 1


    Muito se falou neste filme antes de seu lançamento. Criou-se toda uma expectativa em torno dele. É até estranho notar que mesmo pessoas que não são muito ligadas ao mundo do cinema já ouviram falar do longa (e inclusive pretendem assisti-lo). Quando seu diretor, Lars Von Trier, que já não é nem um pouco alheio à polêmica, anunciou que faria um filme sobre uma ninfomaníaca, a curiosidade foi instantânea. Von Trier já é conhecido pelos cinéfilos como um diretor despudorado e que tem como característica de seus filmes o fato de estes serem, em grande parte, chocantes (e nisso há quem veja uma qualidade ou um defeito).

    De "Dogville" à "Melancolia", passando por "Dançando no Escuro", "Anticristo" e "Manderlay" - isso para citar seus longas mais conhecidos -, Von Trier sempre mostrou seu cinema de forma clara e sem pudor, o que - querendo ou não - sempre gerou polêmica em meio aos espectadores (nós não estamos exatamente acostumados a ver órgãos genitais ou cenas de sexo em close nas sessões de cinema por aí, né?). Um filme sobre uma ninfomaníaca parecia uma carta branca para Von Trier fazer todas as suas estripulias e ainda ampliá-las. Mas eis que ele nos surpreende novamente.

    Talvez, é claro, esta nossa análise esteja deveras prejudicada pela censura que o filme sofreu em sua fase de produção (cerca de uma hora do filme foi cortada) e pela divisão em dois volumes (o segundo sai em março, no Brasil). Entretanto, é o material que recebemos - e é o material que Von Trier aceitou entregar -. E ele, nem de longe, é seu material mais chocante ou polêmico (este posto ainda pertence a "Anticristo", com toda a certeza). Na verdade, se trata de um filme bem-comportado, em que tudo na tela se mostra justificável pela trama e nada excessivo.

    No longa, Joe (Charlotte Gainsbourg, de "21 Gramas") é uma mulher de 50 anos que é resgatada da rua por Seligman (Stellan Skarsgård, de "Thor"). Ao observar o estado deplorável em que a mulher se encontra, o homem se interessa por saber o que houve com ela. A partir daí, Joe começa a contar suas experiências a ele. Neste primeiro volume, ela ainda é uma jovem (interpretada pela estreante Stacy Martin) e sua ninfomania começa a ser delineada, desde a perda de sua virgindade até o momento em que ela chega a transar com dez homens por noite.

    Um dos principais méritos narrativos do filme é conseguir colocar uma certa leveza ao tema, que por si só já é tão pesado. "Ninfomaníaca" é um dos filmes mais bem-humorados do diretor dinamarquês e chega a ser impressionante a quantidade de momentos em que todo o público da sala de exibição ri. Isso, aliado aos roteiros já normalmente envolventes e bem estruturados de Von Trier, atrai o espectador. Maior evidência disso é a decepção quando o filme subitamente termina, posto que teremos que esperar dois meses para descobrirmos o que houve com Joe para que ela chegasse ao fundo do poço onde está. São duas horas de filme que passam muito rápido.

    Não se pode deixar de mencionar, claro, outros grandes destaques do filme: a direção precisa de Von Trier - que desta vez faz uso de uma câmera bem mais "fixa", o que até causa estranheza aos já habituados às típicas chacoalhadas na imagem geradas pelo uso da câmera na mão -; a excelente direção de fotografia de Manuel Alberto Claro; as ótimas atuações (até Shia LaBeouf está bem), com ênfase no excelente trabalho da estreante Stacy Martin e de Uma Thurman que, em uma única cena, faz a melhor atuação de toda a sua carreira.

    Todavia, "Ninfomaníaca" possui um problema que praticamente não é culpa do filme: é uma mera introdução, uma obra incompleta. A sensação de que está faltando alguma coisa é latente ao fim da sessão e mesmo em outras obras que já foram divididas em partes, como o último filme da franquia "Harry Potter", isso não apareceu de forma tão forte. O fim abrupto do longa representa muito bem isso e demonstra como foi um grande erro dividi-lo. A ninfomania de Joe aqui é apenas apresentada, delineada, como se fosse um esboço; e quando parecia que entraríamos com mais profundidade naquela personagem (pois é isto que "Ninfomaníaca" é: um estudo de personagem), o longa termina.

    É decepcionante, claro, mas não tira de forma nenhuma a eficiência do longa e sua qualidade narrativa e técnica. Fica até difícil mensurar uma nota ao filme, posto que nada mais é do que uma introdução - maravilhosamente bem realizada, é verdade -, mas ainda uma introdução. Talvez a ansiedade em que estou pelo segundo volume, seja o maior elogio que eu possa fazer a "Ninfomaníaca" e um atestado de sua competência.

Nota 8/10

Nenhum comentário:

Postar um comentário