segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Especial Oscar: Crítica - Clube de Compras Dallas

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    Alguns filmes se destacam muito mais pelo o que tem a dizer do que pela sua própria realização. Problemas estruturais que se tornam quase irrelevantes pela importância da discussão que colocam. "Clube de Compras Dallas" é um exemplo destes filmes. Apesar de ter uma construção razoavelmente competente, o longa chama a atenção muito mais pelos temas trazidos de sua inspiração por fatos reais - e pelas suas duas atuações principais, claro.

    O longa conta a história de Ron Woodroof (Matthew McCounaghey, "Magic Mike"), um homem do sul dos Estados Unidos, homofóbico, misógino, preconceituoso e ignorante que é diagnosticado com HIV. Na época da história, os anos 80, o vírus da AIDS era absurdamente atrelado à homossexualidade e tinha pouquíssimas formas de tratamento. Então, quando os médicos lhe dão 30 dias de vida, Ron tenta engolir todos os seus preconceitos e busca conseguir métodos alternativos de tratamento. Surge, por fim, o Clube de Compras Dallas - uma espécie de centro clandestino de distribuição de remédios ainda não aprovados nos Estados Unidos.

    Ron, claro, não muda da água para o vinho. Sua personalidade preconceituosa repugnante - ainda bem - não simplesmente desaparece durante o longa. Não que alguém se tornar esclarecido seja ruim - claro que não! -, mas isso seria um tremendo de um clichê e quebraria todo o equilíbrio do filme. De forma alguma ele vira uma alma caridosa em prol dos necessitados, pois a distribuição dos remédios só é feita para os que compram as cotas na "sociedade". Ah, e como ele conseguiu atrair público? Se tornando sócio de uma transexual, Rayon (Jared Leto, "Réquiem Para um Sonho").

    Apesar de manter parte de seus preconceitos, a redenção de Ron se dá pela sua crescente amizade e afeto que possui por Rayon. Alguns momentos, como a cena do supermercado, mesmo que resvalem em clichês, surgem com naturalidade durante o longa. É interessante perceber como os antigos amigos de Ron, tão preconceituosos quanto este, o abandonam e acabam sendo aqueles sobre quem ele antes depositava ódio - os gays - seus apoiadores.

    A relação entre Ron e Rayon não teria um quarto da força que tem não fossem seus intérpretes. Matthew McCounaghey se firma em sua sequência de ótimas atuações na década de 2010 - "Killer Joe", "Amor Bandido", "Magic Mike"... -. Seu já típico sotaque texano, se une à entrega física e à eficiência em acompanhar as mudanças de seu personagem durante o longa, numa interpretação poderosa. Já Jared Leto ressurge para o cinema em grande forma, com uma interpretação numa vibe Ryan Gosling, dizendo muito a partir de olhares e expressões. Os dois carregam o filme.

     A montagem da obra é irregular, gerando tanto momentos excelentes quanto criando situações aceleradas demais, que talvez demandassem mais calma na abordagem. A passagem do tempo é o maior exemplo disso - uma vez que os 30 dias de Ron viraram anos -, por vezes vira um amontoado de cenas em velocidade de cruzeiro, já em outras surge com grande naturalidade.

    Outra discussão colocada na roda pelo longa é sobre a indústria farmacêutica, que faz uso do desespero de pacientes em estado terminal para ter mais lucros. Entretanto esta vilanização pura e simples da medicina acaba enfraquecendo o filme. Muito disso porque aquela que seria o contraponto deste ambiente de corrupção e jogo de interesses, a Dra. Eve Saks (Jennifer Garner, "Juno"), é uma das personagens mais apáticas e sem graça do ano. É quase insuportável aguentar a cara de mosca morta de Garner na tela.

    A temática gay, por sinal, não é estranha ao cineasta Jean-Marc Vallée. No excelente longa "C.R.A.Z.Y.", o diretor construiu com muita habilidade a descoberta e aceitação da homossexualidade no ambiente familiar. Aqui, mesmo que visto por um outro ângulo, o tema também não deixa de ser trabalho de forma engenhosa, sem resvalar em clichês. A sensibilidade de Vallée ao tratar do tema é sem dúvida digna de nota.

    Destacando-se mais pelas suas ideias e críticas do que como um filme propriamente dito, "Clube de Compras Dallas" se solidifica a partir de suas duas poderosas atuações masculinas. Mesmo que não seja uma obra perfeita, o saldo é muito positivo e Vallée certamente é um cineasta que merece atenção.

Nota 7/10

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